Os Contos de Belazarte
– Mário de Andrade

os_contos_de_belazarte-2A obra tem sua origem nas crônicas publicadas pelo autor na revista América Brasileira entre 1923 e 1924.

Por se tratar de um escritor inovador rebelou-se contra a mesmice das normas vigentes à época tornando-se um importante modernista e transformador da linguagem.

Movimento Modernista

Reinventou a linguagem aproximando-se do leitor, ao retratar a expressão popular como ela é, na forma mais comum e real do diálogo.

Participou da Semana de Arte Moderna – o Movimento Modernista ocorrido em 1922 que reformulou as artes visuais e a literatura brasileira -, militou ao lado de Oswaldo de Andrade, Anita Malfatti, Tarsila de Amaral, Di Cavalcnati entre outros.

Para que se tenha ideia da importância do autor para a literatura brasileira, leia alguns trechos das crônicas do livro.

Túmulo, túmulo, túmulo

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“- Nem que ele estivesse trabalhando pesado, suor corria, ficava o risco da gota feito rastinho de lesma e só. Bastava que lavasse a cara, pronto: voltava o preto opaco outra vez. Era doce, aveludado o preto de Ellis… A gente se punha matutando que havia de ser bom passar a mão naquela cor humilde, mão que andou todo o dia apertando passe-bem de muito branco emproado e filho-da-mãe. Ellis…”

 

Jaburu malandro

“- É assim que o amor se vinga do desinteresse em que a gente deixa ele. A vida corre tão sossegada, ninguém não bota reparo no amor. Ahn… é assim, é!… esperem que hão de ver!… o amor resmunga. E fica desimportante no lugarzinho que lhe deram. De repente a pessoa amada, filho, mulher, qualquer um, sofre, e é então, quando mais a gente carece de força pra combater o mal, é então que o amor reaparece, incomodativo, tapando caminho, atrapalhando tudo, ajuntando mais dores a esta vida já de si tão difícil de ser vivida.”

Besouro e a rosa

besouro-e-rosa-1“- Porém duma feita, quando embrulhava os pães na carrocinha, percebeu Rosa que voltava da venda. Esperou muito naturalmente, não era nenhum malcriado não. O sol dava de chapa no corpo que vinha vindo. Foi então que João pôs reparo na mudança da Rosa, estava outra. Inteiramente mulher com pernas bem delineadas e dois seios agudos se contando na lisura da blusa, que nem rubi de anel dentro da luva. Isto é… João não viu nada disso, estou fantasiando a história. Depois do século dezenove os contadores parecem que se sentem na obrigação de esmiuçar com sem-vergonhice essas coisas. Nem aquela cor de maçã camoesa amorenada limpa… Nem aqueles olhos de esplendor solar… João reparou apenas que tinha um malestar por dentro e concluiu que o malestar vinha da Rosa. Era a Rosa que estava dando aquilo nele não tem dúvida. Alastrou um riso perdido na cara. Foi-se embora tonto, sem nem falar bom-dia direito. Mas daí em diante não jogou mais os pães no passeio. Esperava que a Rosa viesse buscá-los das mãos dele.”

“Piá não sofre? Sofre. – “…Levante! que é isso agora! Como esse menino deve ter sofrido, Margot! Olhe a magreira dele!
– Pudera! com a mãe na gandaia, festando dia e noite, você queria o que, então!
– Margot… você sabe bem certo o que quer dizer puta, hein? Eu acho que a gente pode falar que Paulino é filho-da-puta, não?
Se riram.
– Margot!
– Senhora!
– Mande Paulino aqui pra dar comida pra ele!
– Vá lá dentro, menino!”

“Nízia Figueira, sua criada – Dera pra envelhecer rápido, essa sim, uma coitada que não o mundo porém a vida esquecera, quasi senil, arrastando corpo sofrido, cada nó destamanho no tornozelo, por causa do artritismo. Quando a dor era demais, lá vinha o garrafão pesado:
– Mecê tambem qué, mia fia?
– Me dá um bocadinho pra esquentar.
– Puis é, mia fia, beba mêmo! Mundo tá rúim, cachaça dexa mundo bunito pra nóis.
Era dia de bebedeira. Prima Rufina dava pra falar e chorar alto. Nízia bebia devagar, serenamente. Não perdia a calma, nem os traços se descompunham. A boca ficava mais aberta um pouco, e vinha uma filigrana vermelha debruar a fímbria das narinas e dos olhos embaçados. Punha a mão na cabeça e o bandó do lado esquerdo se arrepiava. Ficava na cadeira, meia recurvada, com as mãos nos joelhos, balanceando o corpo instável, olhar fixo numa visão fora do mundo.”

O texto além de expressar descontentamento social apresenta, para reflexão do leitor, conflitos provocados por preconceitos sociais e raciais.

Os Contos de Belazarte são simplesmente fantásticos!

Mário Raul de Moraes Andrade

mario-de-andrade-2Nasceu em São Paulo, no dia 9 de outubro de 1893, filho de Carlos Augusto de Moraes Andrade e Maria Luísa Leite Moraes Andrade. Estudou Ciências, Letras, Filosofia e frequentou o Conservatório Dramático e Musical de São Paulo.

Escreveu contos e poemas, colaborou com revistas e jornais como crítico de arte e cronista.

Participou ativamente, em 1922, na Semana de Arte Moderna em São Paulo.

Escreveu: Há uma gota de sangue em cada poema (1917), Paulicéia desvairada (1922), A escrava que não é Isaura (1925), Losango cáqui (1926), Primeiro andar (1926), A clã do jabuti (1927), Amar, verbo intransitivo (1927), e Ensaios sobra a música brasileira (1928), Macunaíma(1928), Compêndio da história da música(1929), Modinhas imperiais (1930), Remate de males (1930), Música, doce música (1933), Belazarte (1934), O Aleijadinho de Álvares de Azevedo (1935), Lasar Segall (1935), Música do Brasil (1941), Poesias (1941), O movimento modernista(1942), O baile das quatro artes (1943), Os filhos da Candinha (1943), Aspectos da literatura brasileira (1943), O empalhador de passarinhos (1944), Lira paulistana (1945), O carro da miséria (1947), Contos novos (1947), O banquete (1978), Será o Benedito! (1992).

Referência bibliográfica

os contos de belazarteAndrade, Mário de, 1893-1945
Os contos de Belazarte/ Mário de Andrade – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013
Obras completas de Mário de Andrade
ISBN 978 85 209 3346 6
1. Conto brasileiro. I. Título. II. Série.

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