O autor narra a história através do protagonista Itaúna e escolhe como cenário a cidade de Salvador e aldeias no seu entorno. O país sofria, na condição de colônia, as agruras do imperialismo português. O leitor se depara com um texto que o remete à reflexão dos valores sociais, religiosos e políticos. A forma criativa da escrita e o domínio da linguagem jornalística ajudaram a elevar a qualidade da obra. Independentemente do cenário histórico, os temas abordados permanecem atuais e carentes de debate público mais abrangente. Por isso, ao meu sentir, a obra se soma a outras manifestações culturais de grande importância que ajudam a entender e valorizar a origens dos brasileiros.
Pedro Soledade utiliza-se do vexame ao qual Itaúna de Juniparã é submetido, para expor a insegurança humana em ter que escolher os seus próprios caminhos e valores. Deixa claro que o aprendizado não é teórico mas adquirido através das próprias experiências. As crenças e os valores não se consolidam pelos rituais mas pelos sofrimentos e vivencias.
A narrativa tangencia uma tendência poética, apresentada logo no início do livro, quando o autor afirma que “Palavra é broto. Cada som que a voz invoca semeia o ar, cria raiz, e do sem-número de folhas e ramos nascidos é feito um povo.” Com essa frase autor nos convida a uma reflexão sobre as agruras impostas aos povos originários e escravizados, durante a colonização portuguesa, evidenciando o papel da igreja católica em apoio às ações nefastas dos colonizadores.
O protagonista carrega um sentimento de culpa devido a um acidente ocorrido em uma caçada. Na busca da própria cura decide vingar-se dos opressores. Termina submetido a um sacramento católico e passa a ser tratado como João Dimas dos Santos. Não fosse a bela escrava Conceição Nassoma, olhos de jacutinga, que o alertou para as consequências do ato, Itaúna, provavelmente, teria outro destino.
Apesar do texto referir-se a uma ocorrência no passado longínquo o autor nos remete à reflexão sobre a atualidade. Coloca o respeito pelos valores do ser humano no centro da discussão. O leitor se descobre a cada página virada ou ‘folha caída’ e o faz lembrar que tanto o passado como o futuro não existem. Hoje, atuais mestiços, somos muito povos originários, negros escravizados, portugueses degradados. Com raras exceções, somos cafuzos, mulatos ou caboclos.
Pedro Soledade evidencia a importância feminina nas figuras da escrava estrategista Nassoma e da guerreira Jurema. Coube a elas o plano da fuga, a defesa do território e o acolhimento dos encantados.
Recomendo a leitura não só pela originalidade do tema, mas, também, pela qualidade da escrita.
Vale um elogio, também, ao jornalista Igor Leo Rocha por retratar a essência da obra na orelha do livro.
Informações obre o autor
Pedro Soledade
Soteropolitano, é jornalista formado pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em Comunicação Organizacional. Atua há mais de 10 anos com assessoria de imprensa e jornalismo focado em empreendedorismo para pequenos negócios. Desde criança é apaixonado por História, mitologia, folclore e religiões comparadas, especialmente afro-brasileiras.
Excelente o comentário feito pelo erudito José Eduardo Andrade, pois com esse comentário apresentado nos instigou a ler o livro de Pedro Soledade.
Parece uma leitura bastante interessante com abordagem de temas ainda atuais.
Agradeço de coração a leitura cuidadosa e o olhar minucioso sobre a obra, transbordando nesta resenha cheia de intensas, ricas e verdadeiras reflexões. Muito feliz me deixa que as folhas desta história, que se propõe a mergulhar até as raízes do nosso povo (num passado que hoje parece longínquo), tenham ajudado a semear esta potente análise sobre o nosso lugar no mundo, no presente e no futuro, enquanto baianos e brasileiros. Um abraço grande, Sr. Eduardo Andrade. Muito obrigado!
Obrigado, Pedro.
Continue semeando boas ideias, com excelente qualidade, a exemplo desse texto. Um abraço!
Gostei bastante dos comentários do amigo José Eduardo Andrade acerca da obra do autor Pedro Soledade. Um verdadeiro convite a leitura.