O texto traduz o sentimento da ansiedade, próprio de indivíduo angustiado e com necessidade de ser ouvido, devido à falta de atitude que levou Jean-Baptiste Clamence, protagonista da história, a sentir culpa por não ter dado a atenção a um fato que resultou na morte de uma mulher.
Leitor e interlocutor
A impossibilidade de retroceder no tempo e transformar a omissão em ação fez do personagem um indivíduo ansioso e o autor decide estruturar o texto em um monólogo, capaz de colocar o leitor na condição do desconhecido interlocutor, inoperante e absorto.
Hedonismo
Jean-Baptiste Clamence, advogado parisiense que se denominou “juiz-penitente”, deixou o glamour da cidade após uma vasta experiência hedonista, na qual a busca do prazer e da satisfação pessoal chegou a extrapolar o sentimento egocentrista.
Instalou o seu escritório, em um botequim conhecido como México-City, na cidade de Amsterdam, onde identificava clientes potenciais.
Quase sempre, divulgava suas ideias às pessoas que conviviam no local, contudo, certo dia, elegeu um cliente do citado botequim como ouvinte da maioria das suas angustias e inquietações.
O monologo é composto de frases provocativas e audaciosas.
Coloca o protagonista no cento da história, expondo-o à avaliação de conceitos e atitudes que evidenciam um estilo existencialista.
Egocentrismo
Diz o protagonista: “Já reparou que só a morte desperta os nossos sentimentos? Como amamos os amigos que acabaram de deixar-nos, não acha?! Como admiramos os nossos mestres que já não falam mais, que estão com a boca cheia de terra! A homenagem vem, então, muito naturalmente, essa homenagem que talvez tivesse esperado de nós, durante a vida inteira. Mas sabe por que somos sempre mais justos e mais generosos para com os mortos? A razão é simples! Para com eles, já não há mais obrigações. Deixam-nos livres, podemos dispor do nosso tempo, encaixar a homenagem entre o coquetel e uma doce amante: em resumo, nas horas vagas. Se nos impusessem algo, seria a memória, e nós temos a memória curta. Não é o morto recente que nós amamos nos nossos amigos, o morto doloroso, a nossa emoção, enfim, nós mesmos!”
Ausência de caráter
“Quanto a mim, moro no bairro judeu, ou no que era assim chamado até o momento em que nossos irmãos hitlerianos abriram espaço. Que limpeza! Setenta e cinco mil judeus deportados ou assassinados – é a limpeza pelo vácuo. Admiro esta aplicação, esta paciência metódica! Quando não se tem caráter, é preciso mesmo valer-se de um método.”
O monólogo traz um desabafo, sofrido, de um homem que não consegue se desvencilhar do sentimento de culpa e o remete a avaliações que o incorpora no contexto de uma sociedade individualista, pouco preocupada com uma conjuntura mais ampla.
“Devo reconhecer humildemente, meu caro compatriota, que fui sempre um poço de vaidade. Eu, eu, eu, eis o refrão de minha preciosa vida, e que se ouvia em tudo quanto eu dizia. Só conseguia falar vangloriando-me, sobretudo quando o fazia com esta ruidosa discrição, cujo segredo eu possuía. É bem verdade que eu sempre vivi livre e poderoso. Simplesmente, sentia-me liberado em relação a todos pela excelente razão de que me considerava sem igual. Sempre me achei mais inteligente do que todo mundo, como já lhe disse, mas também mais sensível e mais hábil, atirador de elite, incomparável ao volante e ótimo amante. Mesmo nos setores em que era fácil verificar minha inferioridade, como o tênis, por exemplo, em que eu era apenas um parceiro razoável, era-me difícil não acreditar que, se tivesse tempo para treinar, superaria os melhores. Só reconhecia em mim superioridades, o que explicava minha benevolência e serenidade. Quando me ocupava dos outros, era por pura condescendência, em plena liberdade, e todo o mérito revertia em meu favor: eu subia um degrau no amor que dedicava a mim mesmo.”
O livro é um ensinamento, grandioso, que só pensadores da estirpe de Albert Camus são capazes de levar o leitor à reflexão do comportamento humano, muitos dos quais, seus resultados são irreversíveis para si e para a humanidade.
Recomendadíssima a leitura!
Albert Camus
Nasceu em 7 de novembro de 1913, uma pequena localidade da Argélia, conhecida durante a ocupação francesa pelo nome de Mondovi. Viveu sob o signo da fome, da guerra e da miséria.
A obra do escritor, ensaísta, romancista, dramaturgo e filósofo terminou sendo orientada pelos citados elementos que ajudaram na formação do pensamento crítico e filosófico.
Morreu em 4 de janeiro de 1960, aos 46 anos, na pequena comuna francesa Villeblevin, região administrativa da Borgonha, vítima de um acidente de trânsito.
O tradutor checo Jan Zabrana sugeriu em seu diário, publicado postumamente, a possibilidade de Dimitri Shepilov, Ministro das Relações Exteriores da URSS, ter encomendado o assassinato de Albert Camus, devido à oposição que ele vinha fazendo ao massacre soviético na repressão à Revolução Húngara de 1956.
Os stalinistas e de simpatizantes dos comunistas começaram a detestar Albert Camus a partir da citação feita, por ele, ao poeta americano Walt Whitman que assegurara “sem liberdade, nada pode existir”.
Camus perdeu o pai, Lucien, em 1914, cuja família era da Alsácia, França, na batalha do Marne, durante Primeira Guerra Mundial, fato que obrigou a mudar-se com a sua mãe, Cathérine Sintès, uma marroquina de origem espanhola, para a casa de sua avó materna, em Argel.
Durante a infância, morando na casa da avó, Camus teve o apoio do professor Louis Germain, que previu para ele um futuro próspero e estimulou à sua mãe a procurar por uma bolsa de estudos no liceu de Argel.
Apesar das dificuldades financeiras, Camus decidiu continuar os estudos na escola secundária, mesmo familiarizado com o trabalho na oficina do seu tio. A continuidade da formação filosófica de Camus deveu-se ao professor Jean Grenier, homenageado, por Camus, que dedicou a ele o livro ‘O Homem Revoltado’.
A monografia de mestrado de Camus versou sobre o neoplatonismo, que relata sobre doutrinas direcionadas para os aspectos espirituais e cosmológicos do pensamento platónico.
Na tese de doutorado, Camus, aborda aspectos relacionados a obra de Santo Agostinho, considerado um dos mais importantes teólogos e filósofos dos primeiros anos do cristianismo.
Após concluir o doutoramento foi acometido por uma intensa crise de tuberculose, que o impediu de lecionar e praticar esportes.
Ao visitar o Brasil, no período de 5 a 7 de agosto de 1949, proferiu várias palestras e conheceu, em companhia de Oswald de Andrade, a festa em louvor ao Senhor Bom Jesus de Iguape.
A visita ao Brasil lhe rendeu um conto ‘A Pedra que brota’ editado no livro ‘O Exílio e o Reino’.
Em 1938, ajudou a fundar o jornal Alger Républicain e durante a Segunda Guerra Mundial, Camus colaborou com o jornal Paris-Soir.
Pouco antes da invasão alemã, em 1939, mudou-se para a França, devido as discórdias com as autoridades francesas dominantes na Argélia, por não concordar com a discriminação e restrições aos árabes, que não tinham direito a voto, suas crianças eram mal alimentadas e sem acesso ao atendimento médico. Nesta época Camus era membro do Partido Comunista.
Devido a ocupação nazista na França mudou-se de Paris para a região de Vichy, França, e participou do Núcleo de Resistência à Ocupação, tornando-se um dos editores do jornal Combat.
Camus conheceu Jean-Paul Sartre, em 1942, após elogios recebido de Sartre referente ao livro ‘O Estrangeiro’.
Posteriormente se desentenderam publicamente, em 1952, devido à crítica feita por Sartre a respeito da obra ‘O Homem Revoltado’, na qual Camus critica o regime comunista soviético, do qual Sartre fazia parte.
Camus foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura de 1957 “por sua importante produção literária, que, com seriedade lúcida ilumina os problemas da consciência humana em nossos tempos”.
Ao proferir o discurso agradecendo o prêmio, disse que o artista além de divertir o público deve “comover o maior número possível de homens, oferecendo-lhes uma imagem privilegiada dos sofrimentos e das alegrias comuns”.
Camus afirma que as pessoas procuram incessantemente o sentido da existência numa vida que carece de sentido e na qual só é possível ganhar a liberdade e a felicidade com a rebelião.
Escreveu Revolta nas Astúrias (1936), O Avesso e o Direito (1937), Núpcias (1939), O Mito de Sísifo (1942), O Estrangeiro (1942), A Peste (1947), O Estado de Sítio (1948), Os Justos (1949), O Homem Revoltado (1951), O Verão (1954), A queda (1956), Reflexões sobre a Pena Capital (1957), O Exílio e o Reino (1957), A Morte Feliz (obra póstuma 1971) e quatro peças teatrais O Mal-entendido (1944), Os justos (2008), Calígula) (1941), Estado de Sítio (1948), além de várias crônicas.
Questões observadas nas obras de Dostoiévski e Franz Kafka aproximaram Camus dos dilemas e conflitos filosóficos evidenciados pelos citados autores, identificadas como fenômeno estético filosófico do absurdo.
Albert Camus é considerado um dos escritores mais importantes do século vinte, devido a sua aversão ao totalitarismo presente na sua obra.
Referência bibliográfica
Camus, Albert, 1913-1960
A queda / Albert Camus; tradução de Valerie Rumjanek. – 16ª Ed. – Rio de Janeiro: Record, 2009.
114p.
Tradução de: La chute
ISBN 987-85-01-01284-5
Romance francês. I. Rumjanek, Valerie. II.Título
(R)
Este Blog é um tesouro !
Olá
Vim conmhecer seu Blog. Vc diz que não tem pretenção de fazer critica literária, mas a análise das obras que ví, é tão valiosa quanto a critica profíssional, justamente por ser despojada daquela necessidade de produzir trabalho. É feita com prazer.
Um grande abraço
Obs: Obrigado por seguir meu Blog Momentos De Reflexão.
Olá Eduardo
acabode ler A Queda, e realmente como diz o seu texto ,é um livro sobre a condição e a angústia humana. Mas ainda assim preferi O Estrangeiro ,q é meu livro preferido.
P.S. : Parabéns pelo Blog, ele é excelente ,mas vc deveria investir um pouco mais na estética dele, procure uma template simples ,tem várias pela internet.
P.P.S. :Naum sei se vc jah çeu Angústia (Graciliano Ramos) mas os dois livros são bem parecidos, e certamente Albert Camus influenciou Graciliano co seu pessimmismo e seu existencialismo ,alem dos dois serem humanistas
Olá,
Acredito que o interlocutor sejamos nós, leitores, além de nos vermos refletidos na condição de tb juiz-penitente! Terminei a leitura do livro agora…mto massa!
li o livro a uma semana atrás e gostei muito um morador do prédio onde eu trabalho que me emprestou. o próximo que ele irá me emprestar será o O estrangeiro espero que seja tão bom quanto ao outro
li o Mito de Sísifo e o Estrangeiro e adorei. O mito é uma reflexão acerca do absurdo de tanto que a vida é gratuita, assim como O Estrangeiro, que nos ensina a pensar acerca de como as coisas são por acaso
Oi!
Nunca tinha ouvido falar nesse livro e nem nesse autor, mas achei interessante a história.
Não sou uma pessoa que lê muitas leituras densas, mas acho interessante e um livro tão pequeno como esse dá mais vontade de ler. rsrs
acho que vou comecar por aqui: http://portugues.free-ebooks.net/ebook/A-queda
se gostar, compro! 🙂