A história de ficção, escrita por Saramago, tem o propósito de instigar o leitor sobre um tema polêmico e de difícil conclusão.
O primeiro criminoso
A autor usa a sua capacidade narrativa e criatividade para desenvolver um drama, baseado no Velho Testamento, que coloca o primeiro criminoso da história, como protagonista e questionador dos desígnios de Deus.
O filho primogênito de Adão e Eva, Caim, matou o irmão, Abel, por ciúme e tornou-se um andarilho a testemunhar acontecimentos, relatados como castigos do Criador.
Sodoma e Gomorra, Torre de Babel, Arca de Noé, e o testemunho de fé de Abraão ao levar o filho, Isaac, para o sacrifício, são alguns das indagações de Saramago.
Destruir Sodoma e Gomorra sem poupar as crianças e os justos; impedir a construção da Torre de Babel sabendo que de nada adiantaria construí-la; e encomendar a Noé uma Arca para boiar no dilúvio e repovoar o mundo são histórias do Velho Testamento, narradas de forma inusitada.
Subjetividade e comunicação
Não bastassem os questionamentos bíblicos, Saramago dá uma pincelada nas relações pessoais.
“Por baixo das palavras que dizes percebo que há outras que calas.”
“Diz-se então que o asno é teimoso como um burro quando afinal do que se trata é de um problema de comunicação, como muitas vezes sucede entre os humanos.”
O castigo
O autor resume parte dos questionamentos em um diálogo entre Caim e Lilith.
“Ninguém vai acreditar em ti, não penso dizer isto a mais ninguém, o teu mal é que não trazes contigo nenhuma prova, um objeto qualquer deste outro presente. Não foi um presente, mas vários, dá-me um exemplo. Então Caim contou a lilith o caso de um homem chamado Abraão a quem o senhor ordenara que lhe sacrificasse o próprio filho, depois o de uma grande torre com a qual os homens queriam chegar ao céu e que o senhor com um sopro deitou abaixo, logo a de uma cidade em que os homens preferiam ir para a cama com outros homens e o castigo de fogo e enxofre que o senhor tinha feito cair sobre eles sem poupar as crianças, que ainda não sabiam o que iam querer no futuro, a seguir o ajuntamento de gente no pé de um monte a que chamavam Sinai e a fabricação de um bezerro que adoraram e por isso morreram muitos, (…)”
Compartilhar ou não com o autor sobre a existência de Deus, não impede a leitura da obra.
A fé é reservada e particular, sua intensidade muda de acordo à necessidade do indivíduo.
Temas polêmicos a exemplo da criação do universo e da existência humana devem perpassar por avaliação interior e individual, sem tentativas de persuasão a quem quer que seja.
Neste sentido, o texto não impõe desvio de conduta, contudo, induz o leitor a refletir sobre a forma de comunicação das religiões.
Leitura recomendadíssima!
José de Souza Saramago
O escritor, tradutor, jornalista, poeta, cronista, dramaturgo, contista, romancista, teatrólogo e ensaísta José de Souza Saramago nasceu na aldeia de Azinhaga, província do Ribatejo, Portugal, no dia 16 de novembro de 1922.
Faleceu, aos 87 anos, na sua casa em Tías, Província de Las Palmas, Lanzarote, comunidade autônoma das Ilhas Canárias, no dia 18 de junho de 2010, vítima de leucemia crônica. Foi cremado e as cinzas foram depositadas ao pé de uma oliveira, na cidade de Lisboa no dia 18 de junho de 2011.
Prêmios
Saramago recebeu vários prêmios dentre eles o Nobel de Literatura de 1998 e o Camões de 1995. Foi condecorado com Comendador da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, em 1985, e o Grande-Colar da mesma Ordem, em 1998. Esta última honraria é concedida, normalmente, a chefes de estado.
O prêmio Camões foi instituído, em 1988, pelos governos do Brasil e Portugal outorgado a autores de língua portuguesa, pelo conjunto da sua obra e o Prêmio Nobel de Literatura foi instituído, em 1901, para premiar autores, de qualquer nacionalidade, que a sua obra tenha contribuído para o pensamento coletivo.
José Saramago recebeu, também, os seguintes prêmios: Cidade de Lisboa (1980), Literário Município de Lisboa (1982), P.E.N. Clube Português de Novelística (1983, 1985), D. Dinis (1984), Crítica da Associação Portuguesa de Críticos Literários (1985), Grande Prémio de Romance e Novela APE/DGLB 1991, Bordalo de Literatura da Casa da Imprensa (1991), Grande Prémio Vida Literária APE/CGD (1993), Gold Medal.svg Prémio Camões 1995 e Consagração de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores (1995).
Linguagem e estilo
José Saramago se caracteriza pela utilização de um estilo oral. Preferiu se expressar na forma escrita com a animação característica dos contos populares de tradição oral. Preferiu a dinâmica da comunicação em detrimento da correta ortográfica formal.
A forma escolhida para desenvolver o raciocínio e exibir argumentos característicos da linguagem oral se impõe no estilo convincente.
Utiliza frases e períodos alongados, com pontuação nada convencional, que resulta em diálogos entre personagens sem a separação tradicional de travessões usuais para distinguir os diálogos de cada um dos interlocutores. Esta forma utilizada pelo autor conserva o leitor atento à história, contudo, em determinados momentos pode confundi-lo.
As citadas características tornam o seu estilo único na literatura moderna, destacando-o como um inovador no tratamento da língua portuguesa.
Relacionamentos
O primeiro casamento foi aos 25 anos com Ilda Reis. Deste relacionamento resultou o nascimento da filha Violante dos Reis Saramago. Durou de 1944 a 1970.
De 1970 a 1986 Saramago viveu com a escritora Isabel da Nóbrega.
O último relacionamento foi com a jornalista e tradutora espanhola María del Pilar del Río Sánchez, que conheceu em 1986. Viveu a seu lado de 1988 até a morte do autor.
Crença, Política e foco literário
Saramago se dizia ateu e faz crítica à Igreja por entender encontrar-se a serviço dos tiranos. Fala de religião como um fenômeno de fantasias humanas. E diz que os episódios de violência relatados na Bíblia, como sacrifício de Isaque, a destruição de Sodoma ou a vida de Jó, por exemplo, revelam que “Deus não é de fiar”.
A Igreja Católica criticou a publicação do livro ‘O Evangelho Segundo Jesus Cristo’, em 1991, devido à releitura que Saramago faz do personagem Jesus. Fez críticas, também, quando da publicação de ‘Caim’, em 2009.
Foi membro do Partido Comunista Português.
Posicionou-se sempre atento às injustiças e vigilante das mais diversas causas sociais. Não se cansava de questionar valores sociais.
Criou, em 2007, a Fundação José Saramago para a defesa e difusão da Declaração Universal dos Direitos Humanos e defesa do meio ambiente. Mais tarde, em 2012, sua mulher Pilar del Río abriu as suas portas da fundação ao público na Casa dos Bicos em Lisboa.
Apesar das crônicas e peças teatrais Saramago se destacou com os temas abordados em seus romances.
Em ‘Levantando do Chão’ o autor retrata as dificuldades da população pobre do Alentejo.
Em ‘Memorial do Convento’ retrata o contraste entre a abastada aristocracia e o povo trabalhador.
Em seguida Saramago publicou livros cujos temas se referem a pessoas, fatos e questionamentos religiosos: ‘O Ano da Morte de Ricardo Reis’ (1985), sobre as andanças do heterônimo de Fernando Pessoa por Lisboa; ‘A Jangada de Pedra’ (1986), em que se questiona o papel Ibérico na então CEE através da metáfora da Península Ibérica soltando-se da Europa e encontrando o seu lugar entre a velha Europa e a nova América; ‘História do Cerco de Lisboa’ (1989), onde um revisor é tentado a introduzir um “NÃO” no texto histórico que corrige, mudando-lhe o sentido; e ‘O Evangelho Segundo Jesus Cristo’ (1991), no qual Saramago reescreve o livro sagrado sob a ótica de um Cristo que não é Deus e se revolta contra o seu destino.
Saramago deu início a nova fase publicando seis romances com tramas que abordaram os caminhos da sociedade contemporânea: Ensaio Sobre a Cegueira (1995); Todos os Nomes (1997); A Caverna (2001); O Homem Duplicado (2002); Ensaio sobre a Lucidez (2004); e As Intermitências da Morte (2005).
Obras publicadas
Saramago publicou os romances Terra do Pecado (1947), Manual de Pintura e Caligrafia (1977), Levantado do Chão (1980), Memorial do Convento (1982), O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), A Jangada de Pedra (1986), História do Cerco de Lisboa (1989), O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991), Ensaio Sobre a Cegueira (1995), Todos os Nomes (1997), A Caverna (2000), O Homem Duplicado (2002), Ensaio Sobre a Lucidez (2004), As Intermitências da Morte (2005), A Viagem do Elefante (2008), Caim (2009), Claraboia (2011) e Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas (2014).
Publicou as crónicas: Deste Mundo e do Outro (1971), A Bagagem do Viajante (1973), As Opiniões que o DL Teve (1974) e Os Apontamentos (1977).
Produziu as seguintes peças teatrais: A Noite (1979), Que Farei com Este Livro? (1980), A Segunda Vida de Francisco de Assis (1987), In Nomine Dei (1993) e Don Giovanni ou O Dissoluto Absolvido (2005).
Publicou os contos Objeto Quase (1978), Poética dos Cinco Sentidos – O Ouvido (1979) e O Conto da Ilha Desconhecida (1997).
Publicou as poesias: Os Poemas Possíveis (1966), Provavelmente Alegria (1970), O Ano de 1993 (1975).
Diário e Memórias: Cadernos de Lanzarote (1994) e As Pequenas Memórias (2006),
Literatura infantil: A Maior Flor do Mundo (2001), O Silêncio da Água (2011).
Viagens Viagem a Portugal (1983).
Referência bibliográfica
Saramago, José, 1922-2010
Caim: romance / José Saramago. – São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
172p.
ISBN 978-85-359-1539-6
1. Romance português. I. Título.
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