Caminhos e descaminhos da estabilização: Uma análise do conflito fiscal-monetário no Brasil – Affonso Celso Pastore

O economista Celso Pastore traça um histórico dos acontecimentos econômicos que submeteram o país a um período caótico, cujos vários planos econômicos heterodoxos implementados por diferentes governos, a começar no governo Sarney, não surtiram os efeitos desejados.

A tentativa de controle da inflação começou com o Plano Cruzado em 1986, seguido dos Planos Bresser (1987), Plano Verão (1989) e Plano Collor I e II (1990 e 1991). Só em 1994 com a implantação do Plano Real foi que o país iniciou o processo de controle da inflação.

O Plano Real e a Unidade Real de Valor

Apesar de bem arquitetado o Plano Real sofreu alguns reveses. Ancorado em um regime de câmbio fixo, precisou de ajustes, para evitar ataques especulativos, e se viu obrigado a abandonar a âncora nominal.
A transparência e a didática utilizada durante o Plano Real contribuíram, de forma positiva, para o entendimento e colaboração da população. A URV (Unidade Real de Valor) funcionou como uma moeda fictícia que serviu de unidade de referência. A população passou a falar do Real e da URV com familiaridade, esquecendo-se das tablitas, dos congelamentos de preços e dos bloqueios das cadernetas de poupanças, práticas comuns nos planos heterodoxos.

“Avanços em meio ao caos dessa sequência de planos heterodoxos fracassados sobraram avanços que foram fundamentais para construir, com base no diagnóstico correto, o regime de política econômica que permitiu o controle da inflação. O primeiro deles foi a criação da Secretaria do Tesouro Nacional, em 1986, sendo o Banco Central proibido de financiar de forma direta o Tesouro. O Plano Cruzado deixou claro que havia um déficit público financiado com o imposto inflacionário e que havia uma fragilidade institucional que precisava ser eliminada. Até aquela data, a dívida pública era administrada pelo Banco Central, e para financiar o déficit com emissão de moeda bastava realizar os pagamentos através da conta movimento no Banco do Brasil. Em 1986, a conta movimento foi extinta, sendo substituída pela conta única do Tesouro no Banco Central, na qual os saques do Tesouro eram limitados ao valor depositado, cuja origem eram as receitas tributárias e os lucros das empresas das quais a União é proprietária.”

O tripé da nova política

A implantação do regime de metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário constituiu o tripé da nova política econômica. A inflação, o câmbio e o superávit seguem, até hoje, como indicativos para posicionamentos do mercado financeiro, do Banco Central e da política governamental. Quando a previsão da inflação dá sinais de ultrapassar a meta estipulada o Banco Central eleva a Selic e o governo se ver na obrigação de impor medidas para cumprir o superávit primário.

Nos tempos atuais os gastos com as políticas social, previdenciária e nas áreas da saúde e da educação tem se mostrado um nó difícil de ser desatado. Os gastos com saúde, educação e algumas emendas parlamentares estão vinculados à evolução das receitas da União quando deveriam ser orçados de acordo às necessidades setoriais. Sendo assim, continuaremos perseguindo um superávit primário ideal, obrigando o Banco Central a elevar a taxa Selic e praticar intervenções eventuais no câmbio à vista ou através de contratos Swap.

Quanto maior a fragilidade fiscal os investidores exigem maior abertura da curva de juros e obriga o Tesouro (para se financiar) a ofertar títulos públicos com prazos menores e taxas mais elevadas. Nessas situações o custo da dívida pública e o câmbio se elevam. Déficits primários sucessivos e juros altos refletem em maior risco fiscal exigindo medidas restritivas para o controle da inflação.

Apesar do tema requerer algum conhecimento de macroeconomia, Celso Pastore consegue narrar os acontecimentos de forma simples e didática, eliminando, dentro do possível o chamado “economês” comum das literaturas técnicas.

Recomendo a leitura!

Affonso Celso Pastore
Affonso Celso Pastore nasceu em São Paulo no dia 19 de junho de 1939. Formado em economia na Universidade de São Paulo, onde fez o seu doutorado. Atuou como professor da USP, INSPER e da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Foi consultor na área de economia, secretário da Fazenda do estado de São Paulo de 1979 a 1983 e presidente do Banco Central do Brasil de 1983 a 1985. Possui uma vasta obra literária sobre inflação e câmbio.

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