Como as democracias morrem
– Steven Levitsky, Daniel Ziblatt

Os autores se dedicaram a narrar fatos políticos ocorridos nos Estados Unidos e em outros países cujas democracias, por vezes, foram ameaçadas. Relatam ações, aparentemente insignificantes, que impediram ou que tentaram impedir o livre exercício democrático baseado no igualitarismo, na civilidade, no compartilhamento dos propósitos e sentido de liberdade.
Por mais robustos que sejam os sistemas constitucionais de um país eles, por si só, não impedem que movimentos e desejos patológicos ameacem mudanças nas regras estabelecidas. Sendo assim, a manutenção e a consolidação democrática dos países dependem muito mais dos seus cidadãos do que de um líder no exercício do poder.

Assim como um líder de forma isolada não resgata ou consolida uma democracia nenhum político, sem apoio popular, consegue acabar com ela.

Fatos que podem colocar os cidadãos em situações de vulnerabilidade a exemplo de ataques terroristas, descontroles fiscais, perdas patrimoniais e pandemias terminam por acarretarem atitudes lenientes e de pouca vigilância em relação aos valores democráticos. Nesses momentos os autocratas golpistas se aproveitam para obterem apoio popular com vistas a enfraquecerem os regimes democráticos. Transformam rivais partidários em inimigos políticos e instigam uma guerra cujas armas são as instituições. Os sistemas democráticos experimentam constantes crises e muitas energias são gastas na vigilância das ações para o retorno à normalidade.

Caminhos para a conquista de um bem maior, a democracia.

As democracias devem resguardar o direito aos protestos públicos objetivando a defesa dos direitos individuais e das instituições. Ao contrário, as manifestações a favor das rupturas democráticas não devem ser toleradas pelos cidadãos tampouco pelas instituições guardiãs dos regimes democráticos.
Quando existem ameaças às violações dos regimes democráticos as coalizões  entre adversários políticos e/ou grupos que se opõem sobre questões relevantes são bem-vindas. Nessas situações as colisões optam por construírem – com esforço e foco definido – caminhos de entendimentos para a conquista de um bem maior, a democracia. Regime esse que garante o respeito aos direitos das minorias e a tolerância ao debate em busca do entendimento social e político.

Quando a democracia ruiu no Chile…

“Ao meio-dia de 11 de setembro de 1973, depois de meses de tensão crescente nas ruas de Santiago, no Chile, jatos Hawker Hunter de fabricação britânica mergulharam em rasantes, lançando bombas sobre La Moneda, o palácio presidencial neoclássico no centro da cidade. Enquanto as bombas continuavam a cair, o edifício ardeu em chamas. O presidente Allende, eleito três anos antes como líder de uma coalizão de esquerda, estava entrincheirado no palácio. Ao longo do seu mandato, o Chile estivera tomado pela inquietação social, a crise econômica e a paralisia política. Allende dissera que não abandonaria o posto até ter cumprido seu dever – mas agora chegara o momento da verdade. Sob o comando do general Augusto Pinochet, as forças armadas chilenas estavam tomando o controle do país. De manhã cedo naquele dia fatídico, Allende propôs palavras de desafio num pronunciamento em cadeia nacional de rádio, esperando que seus muitos apoiadores fossem às ruas em defesa da democracia. Mas a resistência nunca se materializou. A polícia militar que guardava o palácio o abandonara; seu pronunciamento foi recebido com silêncio. Em poucas horas, Allende estava morto. E, desse modo, também a democracia chilena.”

A estratégia dos autocráticos…

Atualmente as democracias morrem sem a necessidade de uso de forças militares como as usadas anteriormente no Chile e em outros países. O retrocesso se inicia nas urnas com o oferecimento de uma roupagem aparentemente democrática. Após o exercício do poder vem o enfraquecimento deliberado das instituições representativas. Valendo-se da extrema polarização corrompe-se e subjuga-se o poder legislativo, descredencia-se e aniquila-se o poder judiciário e concentra-se o autoritarismo no poder executivo . Em algumas oportunidades os discursos de defesa da liberdade de expressão e dos direitos individuais são usados falaciosamente na busca por sua extinção. O que está por trás da questão não é fortalecê-los, mas, tão somente iludir o povo para obter o apoio para os movimentos autoritários.

“Como Chávez na Venezuela, líderes eleitos subverteram as instituições democráticas em países como Geórgia, Hungria, Nicarágua, Peru, Filipinas, Polônia, Rússia, Sri Lanka, Turquia e Ucrânia.”

“As instituições se tornam armas políticas, brandidas violentamente por aqueles que as controlam contra aqueles que não as controlam. É assim que os autocratas eleitos subvertem a democracia aparelhando tribunais e outras agências neutras e usando-os como armas, comprando a mídia e o setor privado (ou intimidando-os para que se calem) e reescrevendo as regras da política para mudar o mando de campo e virar o jogo contra os oponentes.”

“Um elenco de outsiders políticos, incluindo Adolf Hitler, Alberto Fujimori no Peru e Hugo Chávez na Venezuela, chegou ao poder da mesma maneira: a partir de dentro, via eleições ou alianças com figuras políticas poderosas. Em cada caso, as elites acreditaram que o convite para exercer o poder conteria o outsider, levando a uma restauração do controle pelos políticos estabelecidos. Contudo, seus planos saíram pela culatra. Uma mistura letal de ambição, medo e cálculos equivocados conspirou para levá-las ao mesmo erro: entregar condescendentemente as chaves do poder a um autocrata em construção.”

Nos Estados Unidos uma das agressões à democracia ocorreu devido à conquista do voto dos afro-americanos…

“Durante a era da Reconstrução, a conquista maciça do direito de votar pelos afro-americanos apresentou uma ameaça maior para o controle político branco sulista e para a predominância do Partido Democrata. Sob a Lei de Reconstrução de 1867 e a Quinta Emenda, que proibiam limitações de sufrágio em função de raça, os afro-americanos constituíram repentinamente uma maioria da população votante no Mississippi, na Carolina do Sul e na Louisiana, e uma quase maioria no Alabama, na Flórida, na Geórgia e na Carolina do Norte. Tropas federais supervisionaram o registro em massa dos eleitores negros em todo o Sul. Nacionalmente, a porcentagem de homens negros qualificados para votar cresceu de 0,5% em 1866 para 80,5% dois anos depois. Em muitos estados do Sul, as taxas de registro dos negros excederam 90%. E os cidadãos negros votaram. Na eleição presidencial de 1880, estima-se que o comparecimento negro tenha sido de 65% ou mais nas Carolinas do Norte e do Sul, no Tennessee, no Texas e na Virgínia. A conquista do direito de votar empoderou os afro-americanos: mais de 2 mil homens libertos sulistas conquistaram cargos eletivos na década de 1870, incluindo catorze congressistas e dois senadores dos Estados Unidos. A essa altura, mais de 40% dos deputados nas câmaras baixas da Louisiana e da Carolina do Sul eram negros. E como os afro-americanos votavam esmagadoramente no Partido Republicano, a emancipação negra revigorou os republicanos e outros desafiadores do outrora dominante Partido Democrata. Os democratas perderam o poder na Carolina do Norte, no Tennessee e na Virgínia nos anos 1880 e 1890, e quase o perderam no Alabama, no Arkansas, na Flórida, no Mississippi e no Texas. Se as eleições democráticas continuassem, observou o cientista político V.O. Key, “teria sido fatal para o status dos brancos do cinturão negro”. Então, eles mudaram as regras e acabaram com a democracia.”

“Para cumprir a letra da lei conforme estipulada na Décima Quinta Emenda, nenhuma menção a raça podia ser feita nos esforços para restringir os direitos eleitorais, então os estados introduziram um imposto de votação “neutro” para todos os adultos (sem referência a renda ou recursos), exigências de propriedades, testes de alfabetização e complexas cédulas escritas de votação. “O maior objetivo de todas essas restrições”, observou o historiador Alex Keyssar, “era tirar os negros pobres iletrados das votações.”

A América Latina sofreu – não muito distante – com regimes totalitários.

No Brasil, em 1964, o regime autoritário foi apoiado por forças sociais consideradas democráticas. Não esperavam  ficarem afastadas do poder e das decisões políticas após instalado o regime autoritário. Assumiram o país com problemas fiscais e o devolveram em condições iguais ou piores. Não foi diferente com os los hermanos argentinos, paraguaios e uruguaios.

O livro chama a atenção do leitor para os riscos camuflados de dirigentes autoritários que experimentam ações com vistas a obterem apoio da população para trilharem um caminho autocrático. Enfraquecem as instituições, corrompem o legislativo, compram a imprensa, interferem no judiciário e buscam se aproximarem de outros dirigentes autocráticos. Percebe-se, na atualidade, que algumas nações estão correndo esse risco. Pelo poder aceitam se alinhar a ditadores que levam o povo a miséria e ao sofrimento.

O autocrata russo põe em risco a paz mundial enquanto as instituições internacionais e os países com lideres e governantes sérios se esforçam para evitarem a terceira guerra mundial…

Sobre os autores
STEVEN LEVITSKY é professor de Ciência Política na Universidade Harvard. A pesquisa de Levitsky se concentra na América Latina e no mundo em desenvolvimento. É autor de Competitive Authoritarianism, tendo recebido diversos prêmios por excelência no ensino.

 

DANIEL ZIBLATT é professor de Ciência Política na Universidade Harvard estuda a Europa do século XIX aos dias de hoje. Publicou, mais recentemente, Conservative Parties and the Birth of Democracy. Tanto Levitsky quanto Ziblatt colaboram para publicações como The New York Times e Vox.

Referência bibliográfica
Detalhes do produto
ASIN ‏ : ‎ 8537818003
Editora ‏ : ‎ Zahar; 1ª edição (31 agosto 2018)
Idioma ‏ : ‎ Português
Capa comum ‏ : ‎ 272 páginas
ISBN-10 ‏ : ‎ 9788537818008
ISBN-13 ‏ : ‎ 978-8537818008
Dimensões ‏ : ‎ 22.8 x 15.6 x 1.6 cm

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *