Uma mulher bonita e atraente, filha de uma família burguesa do interior da França, foi educada em um convento devido ao falecimento da sua mãe.
O fácil acesso e o gosto pela literatura a fez idealizar um estilo de vida fora da realidade interiorana.
Casou-se com um médico, com pouca experiência profissional, que procurava satisfaze-la a todas as suas vontades, contudo, quanto mais concessões lhe eram feitas maior a rejeição e o desinteresse na relação conjugal.
Angustiada, por ambicionar uma relação amorosa mais intensa, a protagonista procurava no adultério a liberdade, o prazer e a materialização das suas fantasias literárias.
A incansável busca da relação que preenchesse suas carências afetivas lhe rendeu uma vida sofrida e cheia de decepções.
Crítica aos valores morais
O autor criou situações de afrontamento social questionando valores morais e religiosos, em uma época caracterizada pela obscuridade nas relações amorosa. Expõe, com sutileza, críticas ao regime político, social e literário.
Um romance de 1857
O romance depois de publicado, em 1857, contribuiu para uma nova estética literária.
A narrativa impressiona pela simplicidade e impõe uma realidade inexplorada anteriormente, cuja forma estabelece um texto absolutista, expondo os personagens às mais diversas situações e sentimentos.
Afronta à sociedade
O texto apresentado em linguagem direta, objetiva e realista atraiu reações negativas da sociedade francesa, que tentou impedir a sua edição, inicialmente, na revista Revue de Paris.
O afrontamento imposto pelo autor à sociedade francesa lhe rendeu um processo na Sexta Corte Correcional do Tribunal de Sena.
Entenderam, os autores, tratar-se de um tema libertino, com elevado risco de estímulo à prática do adultério.
Apesar de absorvido no Tribunal, Gustave Flaubert continuou sendo criticado pelos puritanos da época, contudo a polêmica ajudou a divulgação do seu romance. Ou seja; se tentaram proibir a obra é porque ela era renovadora.
Personagens
Emma Bovary (a protagonista), Charles Bovary (o médico e marido de Emma), Léon Dupuis (estudante de direito e amante de Emma); Rodolphe (proprietário rural e amante de Emma), Justin (funcionário do Boticário), Monsieur Homais (pároco da igreja), Tio Rouault (pai de Emma), Félicité (empregada da família), Madame Homais, e Lheureux.
Parte da história
Após concluir o curso de medicina a família de Charles Bovary lhe arranjou um casamento com uma viúva, para acomodá-lo financeiramente e possibilitar o início da atividade profissional. A relação durou pouco mais de um ano devido ao falecimento da companheira.
Em uma de suas visitas para o exercício da profissão conheceu a jovem, bonita e atraente Emma, que havia sido educada em um convento devido ao falecimento da sua mãe.
O pai de Emma percebendo o interesse de Charles pela filha imaginou, caso ela fosse pedida em casamento:
“Achava-o com cara de zé-ninguém e não lhe parecia o tipo de genro do seu agrado, mas diziam-lhe que tinha bom comportamento, que era poupado, muito instruído, e sem dúvida não iria questionar muito acerca do dote. Ora, como o Tio Rouault iria ser obrigado a vender vinte e dois acres dos seus bens e dado que devia bastante ao pedreiro e ao albardeiro e o eixo do lagar tinha que ser consertado, disse de si para si: “Se ma pedir, dou-lha.””
Antes do casamento, Emma imaginava sentir amor por Charles, contudo, a medida que o tempo foi passando ela se questionava sobre a felicidade e a paixão evidenciadas nos livros e revistas que havia lido.
Pode-se entender que o autor ao envolver a protagonista nas histórias amorosas, citadas nos livros, caracterizava a sua reação negativa em relação à literatura da época.
Emma procurava manter-se informada sobre os acontecimentos da capital francesa e Charles se dedicava, com sacrifício, ao trabalho na busca de renda e do reconhecimento profissional.
Apesar de apaixonado pela esposa o médico interiorano era insosso aos olhos dela.
“Comprou uma planta de Paris e, deslocando a ponta do dedo sobre o mapa, dava passeios pela capital. Subia as avenidas, parando a cada esquina, entre as linhas das ruas, diante dos quadrados brancos que representavam as casas. Por fim, com os olhos cansados, fechava as pálpebras e via, no escuro, torcerem-se com o vento os bicos de gás, juntamente com os estribos das carruagens que se desdobravam com grande estrépito diante do peristilo dos teatros. Assinou a La Corbeille, revista feminina, e Le Sylphe des Salons. Devorava, sem perder nada, todas as notícias das primeiras representações, das corridas e das recepções, interessando-se pela estreia de uma cantora, pela abertura de uma loja. Conhecia as modas novas, os endereços dos bons costureiros, os dias de Bosque ou de ópera. Estudou, em Eugène Sue, descrições de mobiliário, leu Balzac e George Sand, procurando neles uma maneira de saciar imaginariamente os seus apetites pessoais.”
Depressão e bipolaridade
O autor descreve situações vivenciadas por Emma que indicam sinais de depressão e bipolaridade.
O desinteresse pela aparência e a alternância de humor são relatadas de forma objetiva e direta.
“Agora deixava andar tudo em casa de qualquer maneira, de modo que a velha Bovary, quando veio passar parte da Quaresma a Tostes, ficou muito surpreendida com a mudança. Efectivamente, Emma, antes tão cuidadosa e delicada, passava agora os dias inteiros sem se vestir, usava meias cinzentas de algodão e alumiava-se à luz de candeias.”
“Mandava preparar para si pratos especiais e não lhes tocava; um dia bebia apenas leite puro e no dia seguinte dúzias de chávenas de chá. Teimava muitas vezes em não sair, depois sentia-se sufocar, abria as janelas e punha um vestido leve.“
“Depois de ralhar asperamente com a criada, dava-lhe presentes ou mandava-a passear a casa dos vizinhos, assim como, por vezes, atirava aos pobres todas as moedas brancas que tivesse na bolsa, se bem que não fosse de se comover nem facilmente acessível à emoção dos outros, como a maioria dos descendentes de camponeses, que conservam sempre na alma alguma coisa da calosidade das mãos paternas.”
Restrições às mulheres
O autor expõe o desejo de Emma de ter um filho homem para caracterizar as restrições sociais impostas às mulheres. O desinteresse da protagonista pela filha era percebido e coube à empregada, Félicité, os cuidados básicos.
“Ela desejava um rapaz, seria forte e moreno, chamar-se-ia Georges, e esta ideia de ter um filho varão era uma espécie de desejo de desforra de todas as suas frustrações passadas. Um homem, pelo menos, é livre, pode explorar todas as paixões e todas as terras, atravessar os obstáculos, tomar o gosto das venturas mais distantes. Mas uma mulher é continuamente impedida de tudo. Ao mesmo tempo inerte e flexível, tem contra si a debilidade da carne juntamente com a força da lei. A sua vontade, como a aba do chapéu preso por um cordão, flutua a todos os ventos, há sempre algum desejo que a arrasta e alguma conveniência que a detém.”
A tentativa de fuga, a desilusão e o desespero
Emma não se conformou com a desistência da fuga por parte do amante, mas, posteriormente, devido a dificuldade financeira, tentou a reconciliação.
“Com efeito, Rodolphe, depois de muitas reflexões, decidira-se a partir para Ruão. Ora, como da Huchette para Buchy não há outro caminho senão o de Yonville, teve de atravessar a vila, e Emma reconhecera-o, à luz das lanternas que, como um relâmpago, rasgavam o crepúsculo. O farmacêutico, com o tumulto que se produziu em casa do Bovary, precipitou-se para lá. A mesa, com todos os pratos, estava tombada: molho, carne, facas, saleiro e galheteiro, tudo espalhado pelo aposento, Charles pedia socorro, Berthe, assombrada, gritava e Félicité, com as mãos a tremer, desapertava a senhora, que tinha movimentos convulsivos por todo o corpo.”
Relação com Léon
Com o amante mais jovem, Emma, altera a forma de se relacionar, impõe condições e promove oportunidades financeiras não compatíveis com as condições da família.
Termina por convencer o marido a lhe delegar poderes sobre os bens e penhora o patrimônio herdado por ele.
“Exigia que Léon, todas as vezes, Lhe relatasse toda a sua conduta, desde o último encontro. Pedia-lhe versos, versos dedicados a ela, um poema de amor em sua homenagem, ele nunca conseguia encontrar a rima do segundo verso e acabou por copiar um soneto de um álbum de recordações. Foi mais pelo simples desejo de lhe agradar do que por vaidade. Não discutia as ideias dela, aceitava todos os seus gostos, era ele quem realmente se comportava como se fosse uma amante. Emma dizia palavras ternas acompanhadas de beijos que o arrebatavam. Onde teria ela aprendido aquela depravação, quase imaterial à força de ser profunda e dissimulada? ”
Emma assume o controle da sua vida, decide como acabar com o sofrimento e joga por terra todos os sonhos. Quem sabe, uma antecipação do existencialismo sartreano.
Ao fim da história o autor retrata a angustia sofrida pela protagonista e o quanto ela fez sofrer as pessoas que a cercavam.
Ninguém saiu ileso na relação com Emma.
A astúcia imposta para a conquista dos objetivos esgotou as alternativas inimagináveis e terminou sucumbindo em um mundo de desespero injustificável.
O texto demorou cinco anos para ser escrito e imprime uma impressionante riqueza de detalhe, retratando a vida sem subterfúgios.
Apesar da existência de várias versões da obra para o cinema nenhuma retrata a fidelidade e a sutileza de detalhes como o texto.
Leitura recomendadíssima!
Onde comprar
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Gustave Flaubert
Gustave Flaubert nasceu em 12 de dezembro de 1821, Ruão, França e morreu em 5 de agosto de 1880, aos 58 anos em Croisset, França.
Romancista e contista, fez parte do movimento literário Realismo e marcou a literatura francesa pela profundidade de suas análises psicológicas, seu senso de realidade, sua lucidez sobre o comportamento social, e pela força de seu estilo em grandes romances, tais como Madame Bovary (1857), A Educação Sentimental (1869) e Salambô (1862).
Foi o segundo dos seis filhos do médico Achille Cléophas Flaubert, cirurgião-chefe do Hospital de Ruão, e sua esposa Anne Justine, nascida em Fleuriot. Passa a infância ao lado dos irmãos no Hospital onde o pai trabalha.
Aos quinze anos, interessa-se por teatro, e compõe um drama em cinco atos, em prosa, “Luís XI”. Em 1837, escreve seu primeiro romance, “Rêve d’enfer”, uma obra ainda imatura e juvenil, mas que já vislumbra os traços que caracterizariam suas futuras heroínas.
Amor contido
Também aos 15 anos se apaixona, por uma mulher casada e onze anos mais velha do que ele, Elisa Schlesinger, a qual amará, talvez, pela vida toda; só declara, porém, o seu amor trinta anos mais tarde, através de uma carta.
Embora viúva, Elisa já não quis desposá-lo.
O amor impossível, em especial por Elisa Schlesinger, inspira vários de seus livros: “Mémoires d’un fou”, em 1838, “Novembre”, em 1842, e as duas versões de A Educação Sentimental, esboçado em 1845 e concluído em 1869.
Em 1846 Flaubert conheceu Louise Collet, separada do marido e mãe de uma jovem de 16 anos, amante do filósofo Vitor Cousin, iniciando um romance com ela. Louise era considerada pelos amigos presunçosa e afetada, pouco espontânea, exatamente o oposto da recatada Elisa Sclesinger.
Formação acadêmica e alucinações
Inicia os estudos de direito, em Paris, para contentar o pai, porém não consegue se interessar pelas aulas, levando uma vida boêmia, gastando todo o dinheiro que o pai mandava despreocupadamente.
Após ter sido reprovado nos exames de direito na Universidade de Paris, começa a ter crises nervosas, com alucinações e perdas de consciência, que os médicos diagnosticam como histérico-epilépticos.
Seu pai o trata com sangrias e dietas, isolando-o em um sítio em Croisset, às margens do Sena. Há uma melhora das crises, que só iriam retornar no fim da vida.
Durante esse seu retiro, falece seu pai e a irmã Caroline, aos 22 anos, após dar à luz uma menina.
Ocupação da França
Entre 1870-1871, os prussianos ocupam uma parte da França, e Flaubert se refugia com sua sobrinha, Caroline, em Ruão; sua mãe morre em 6 de abril de 1872 e, nessa época, passa por dificuldades financeiras.
Em 1866, recebe a Legião de Honra do governo francês.
A obra
Em 1874, termina e publica a terceira versão de La tentation de Saint Antoine (A tentação de Santo Antônio – 1874), inspirada num quadro de mesmo nome de Bruegel. Em 1877, aos 55 anos, publica “Três Contos”, volume contendo três novelas: sua obra-prima, “Um coração simples”, a história de uma criada bondosa e ingênua, Félicité, inspirada em Julie, empregada que servira Flaubert e sua família até morrer; “A Lenda de São Julião”.
Pouco antes de sua morte, vende suas propriedades para evitar a falência do marido de sua sobrinha, e passa a viver de um salário como conservador da Biblioteca Mazarine.
Seus últimos anos são marcados por dificuldades financeiras. Morre subitamente e é sepultado no Cemitério Monumental de Ruão.
Escreveu Paixão e Virtude (1837); Memórias de um Louco (1838); Novembro (1842); Madame Bovary (1857); Salambô (1862); A Educação Sentimental (1869); A Tentação de Santo Antônio (1874), dentre outros.