A leitura do texto requer paciência para não se apoquentar devido à sua complexidade.
Traz a história filosófica sobre a revolta do homem e faz referências a importantes pensadores, quando menciona o niilismo, o surrealismo e o existencialismo.
André Breton, Pierre Naville, Sade, Nietzsche e Dostoiévski são citados em várias oportunidades e o leitor precisa ter, pelo menos, noção do que cada um pensava a respeito das crenças e necessidades sociais.
O escrito tangencia um ensaio literário a respeito da revolta do homem e traz reflexões sobre propostas políticas e sociais ocorridas nos últimos anos.
Possivelmente, por isso, os questionamentos de Albert Camus, que contestam teorias da época, não tenham sido aceitos por alguns pensadores franceses encabeçados pelo filósofo Jean-Paul Sartre.
Afirma que a revolução e o amor são incompatíveis?
“A revolução consiste em amar um homem que ainda não existe. Mas aquele que ama um ser vivo, se realmente o ama, ele só aceita morrer por ele.”
Cita que o homem revoltado se contrapõe à ordem de quem o oprime e reage quando sente que não deve ser oprimido além do que pode admitir.
Revolta ou identidade
Entende que a revolta não nasce, única e obrigatoriamente entre os oprimidos, pode também surgir do espetáculo da opressão. Neste caso, o revoltado se identifica com o outro indivíduo.
“Não se pode dar uma coerência ao assassinato, se a recusamos ao suicídio. A mente imbuída da ideia de absurdo admite, sem dúvida, o crime por fatalidade; mas não saberia aceitar o crime por raciocínio. Diante do confronto, assassinato e suicídio são a mesma coisa: ou se aceitam ambos ou se rejeitam ambos.”
“A revolta clama, ela exige, ela quer que o escândalo termine e que se fixe finalmente aquilo que até então se escrevia sem trégua sobre o mar. Sua preocupação é transformar. Mas transformar é agir, e agir, amanhã, será matar, enquanto ela ainda não sabe se matar é legítimo. Ela engendra justamente as ações cuja legitimação lhe pedimos. É preciso, portanto, que a revolta tire as suas razões de si mesma, já que não consegue tirá-las de mais nada. É preciso que ela consinta em examinar-se para aprender a conduzir-se.”
“Na nossa posição diária, a revolta desempenha o nosso papel que o cogito na ordem do pensamento: ela é a primeira evidência. Mas essa evidência tira o indivíduo de sua solidão. Ela é um território comum que fundamenta o primeiro valor dos homens. Eu me revolto, logo existimos.”
A armadilha da revolta
“Para combater o mal, o revoltado, já que se julga inocente, renuncia ao bem e gera novamente o mal.”
O texto é riquíssimo em questionamentos e possibilita tirar conclusões sobre muito do que se propagou a respeito das revoluções sociais.
Albert Camus
Nasceu em 7 de novembro de 1913, uma pequena localidade da Argélia, conhecida durante a ocupação francesa pelo nome de Mondovi. Viveu sob o signo da fome, da guerra e da miséria.
A obra do escritor, ensaísta, romancista, dramaturgo e filósofo terminou sendo orientada pelos citados elementos que ajudaram na formação do pensamento crítico e filosófico.
Morreu em 4 de janeiro de 1960, aos 46 anos, na pequena comuna francesa Villeblevin, região administrativa da Borgonha, vítima de um acidente de trânsito.
O tradutor checo Jan Zabrana sugeriu em seu diário, publicado postumamente, a possibilidade de Dimitri Shepilov, Ministro das Relações Exteriores da URSS, ter encomendado o assassinato de Albert Camus, devido à oposição que ele vinha fazendo ao massacre soviético na repressão à Revolução Húngara de 1956.
Os stalinistas e de simpatizantes dos comunistas começaram a detestar Albert Camus a partir da citação feita, por ele, ao poeta americano Walt Whitman que assegurara “sem liberdade, nada pode existir”.
Camus perdeu o pai, Lucien, em 1914, cuja família era da Alsácia, França, na batalha do Marne, durante Primeira Guerra Mundial, fato que obrigou a mudar-se com a sua mãe, Cathérine Sintès, uma marroquina de origem espanhola, para a casa de sua avó materna, em Argel.
Durante a infância, morando na casa da avó, Camus teve o apoio do professor Louis Germain, que previu para ele um futuro próspero e estimulou à sua mãe a procurar por uma bolsa de estudos no liceu de Argel.
Apesar das dificuldades financeiras, Camus decidiu continuar os estudos na escola secundária, mesmo familiarizado com o trabalho na oficina do seu tio. A continuidade da formação filosófica de Camus deveu-se ao professor Jean Grenier, homenageado, por Camus, que dedicou a ele o livro ‘O Homem Revoltado’.
A monografia de mestrado de Camus versou sobre o neoplatonismo, que relata sobre doutrinas direcionadas para os aspectos espirituais e cosmológicos do pensamento platónico.
Na tese de doutorado, Camus, aborda aspectos relacionados a obra de Santo Agostinho, considerado um dos mais importantes teólogos e filósofos dos primeiros anos do cristianismo.
Após concluir o doutoramento foi acometido por uma intensa crise de tuberculose, que o impediu de lecionar e praticar esportes.
Ao visitar o Brasil, no período de 5 a 7 de agosto de 1949, proferiu várias palestras e conheceu, em companhia de Oswald de Andrade, a festa em louvor ao Senhor Bom Jesus de Iguape.
A visita ao Brasil lhe rendeu um conto ‘A Pedra que brota’ editado no livro ‘O Exílio e o Reino’.
Em 1938, ajudou a fundar o jornal Alger Républicain e durante a Segunda Guerra Mundial, Camus colaborou com o jornal Paris-Soir.
Pouco antes da invasão alemã, em 1939, mudou-se para a França, devido as discórdias com as autoridades francesas dominantes na Argélia, por não concordar com a discriminação e restrições aos árabes, que não tinham direito a voto, suas crianças eram mal alimentadas e sem acesso ao atendimento médico. Nesta época Camus era membro do Partido Comunista.
Devido a ocupação nazista na França mudou-se de Paris para a região de Vichy, França, e participou do Núcleo de Resistência à Ocupação, tornando-se um dos editores do jornal Combat.
Camus conheceu Jean-Paul Sartre, em 1942, após elogios recebido de Sartre referente ao livro ‘O Estrangeiro’.
Posteriormente se desentenderam publicamente, em 1952, devido à crítica feita por Sartre a respeito da obra ‘O Homem Revoltado’, na qual Camus critica o regime comunista soviético, do qual Sartre fazia parte.
Camus foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura de 1957 “por sua importante produção literária, que, com seriedade lúcida ilumina os problemas da consciência humana em nossos tempos”.
Ao proferir o discurso agradecendo o prêmio, disse que o artista além de divertir o público deve “comover o maior número possível de homens, oferecendo-lhes uma imagem privilegiada dos sofrimentos e das alegrias comuns”.
Camus afirma que as pessoas procuram incessantemente o sentido da existência numa vida que carece de sentido e na qual só é possível ganhar a liberdade e a felicidade com a rebelião.
Escreveu Revolta nas Astúrias (1936), O Avesso e o Direito (1937), Núpcias (1939), O Mito de Sísifo (1942), O Estrangeiro (1942), A Peste (1947), O Estado de Sítio (1948), Os Justos (1949), O Homem Revoltado (1951), O Verão (1954), A queda (1956), Reflexões sobre a Pena Capital (1957), O Exílio e o Reino (1957), A Morte Feliz (obra póstuma 1971) e quatro peças teatrais O Mal-entendido (1944), Os justos (2008), Calígula) (1941), Estado de Sítio (1948), além de várias crônicas.
Questões observadas nas obras de Dostoiévski e Franz Kafka aproximaram Camus dos dilemas e conflitos filosóficos evidenciados pelos citados autores, identificadas como fenômeno estético filosófico do absurdo.
Albert Camus é considerado um dos escritores mais importantes do século vinte, devido a sua aversão ao totalitarismo presente na sua obra.
Referência bibliográfica
Camus, Albert, 1913-1960
O homem revoltado / Albert Camus; tradução de Valerie Rumjanek.- 8ª Ed. – Rio de Janeiro: Record, 2009.
210p.
Tradução de: L’homme révolté.
(R)
Realmente, para ler Camus (e qualquer outro filósofo existencialista) é necessário o mínimo de conhecimento e gosto pela filosofia.
Um dia esse livro há de cair em minhas mãos e me lembrarei da tua resenha.
Escolheste ótimos trechos.
Abraços.